terça-feira, 13 de abril de 2021

Contos ao volante

Essa é uma história que ouvi, no caminho da Clínica onde meu filho faz terapias, até minha casa, de um motorista de aplicativo o qual não me lembro o nome, mas vou chamar de "Seu Paulo", que já teve outros trabalhos anteriores, inclusive motorista de táxi.
Como embarcamos numa clínica de reabilitação neurológica , conversamos algumas coisas sobre o autismo e ele contou sobre uma vizinha que trata o filho ali também.
Mas a conversa começou a fluir de verdade, depois que eu fiz menção ao meu trabalho.
Então ele começou a contar que fez diversas corridas para uma moça que ele chamava de Morena.
Ela cumpria sentença na semiliberdade feminina e ele a pegava sempre na rodoviária, pra levá-la de volta pra passar a semana cumprindo sua sentença.
Ele começou a falar sobre ela, que trabalhava como olheira em bancos, onde analisava os locais que tinham câmeras, maior fluxo de pessoas e entregava as informações para que a quadrilha realizasse o assalto.
Falou que ela era "terrível" e nesse momento eu comentei que algumas pessoas criam gosto pela "vida louca" e não conseguem mais largar essa adrenalina, é como um vício.
Aí nesse ponto, ele mudou totalmente de postura, ficou claramente emotivo e pediu desculpas caso ele chorasse.
Começou a contar a história de um sobrinho, que tinha o nome de um famoso cantor de tango, e vou chamar apenas de "Juan".
Juan desde a adolescência, vivia envolvido em pequenos roubos e outros crimes.
Foi criado pela família de Seu Paulo, moravam juntos no mesmo terreno, onde sua irmã foi morar, quando ele tinha 6 pra 7 anos, depois dela se separar do marido.
Embora ele tivesse tido uma excelente educação, estudo e muitas oportunidades, parece que o gosto pela criminalidade era maior que tudo.
A mãe sempre fazendo tudo por ele, tentando mudar o destino do filho, correndo atras de documentos, advogados e o que mais fosse preciso, sempre visitando religiosamente o filho na prisão, cada vez que era preso.
Ela, que se chamava Inês, trabalhava numa famosa lanchonete, hoje desativada, em Colombo.
No mês de novembro, pouco antes do Natal, seu Paulo recebeu notícia que a mãe dele havia sofrido um enfarte fulminante... nessa época, Juan estava cumprindo pena em regime fechado em Piraquara.
A família conseguiu autorização pra ele participar do velório da avó, com escolta fortemente armada, já que naquela altura da vida, sua ficha criminal havia aumentado e isso incluía fugas da Colônia Penal e PEP 2.
Seu Paulo muito emocionado, lembrou o quanto foi dolorido passar por toda aquela situação.
A mãe continuava visitando Juan na prisão e no mês de dezembro, em uma das visitas, ele disse para a mãe se cuidar, que se ela morresse, quem faria os corres dele?
Ela disse a ele que não se preocupasse, pois viveria ainda muitos anos.
Abraçaram-se e despediram-se.
Ela havia recebido um dinheiro de um acerto e programou com o irmão, Seu Paulo, de dar entrada pra comprar um terreno.
Passaram o dia inteiro resolvendo burocracias, correndo atrás de documentos e conversando como seria feito o Natal, que seria o primeiro em muitos anos, em que o pai passaria sozinho, já que a esposa falecera pouco tempo antes dessa data.
Programaram de levar o pai pra Serra da Graciosa, para que ele não se sentisse tão só.
Ela pediu folga do trabalho, pra poder comprar as coisas necessárias pra preparar a ceia e tudo já estava acertado.
No dia 17, trabalhou normalmente, saiu da lanchonete e embarcou num ônibus.
Eu já sabia que provavelmente algo trágico deveria ter acontecido, mas os acontecimentos foram muito além do que eu poderia ter imaginado.
Seu Paulo recebeu uma ligação de um taxista conhecido dele, dizendo que irmã havia sido atropelada.
Ele apenas perguntou: - Ela se machucou muito?
E o amigo lhe contou que infelizmente ela falecera na hora!
Então ele imediatamente foi até o local.
Inês havia embarcado no ônibus, com um namorado, eles estavam indo a um motel.
Quando eles desceram e colocaram os pés na calçada, um carro em altíssima velocidade os atropelou, batendo em um outro carro também.
O namorado, faleceu no hospital e no outro carro, o motorista também veio a óbito.
O causador do acidente, foi um colega de trabalho de Inês, com quem ela havia tido um relacionamento.
Seu Paulo, perguntou a ele (que se chamava Sérgio), se ele havia matado a irmã....
Ele tremia descontroladamente, o motivo? Teve um ataque epilético ao volante, o que o fez perder o controle causando o acidente.
Ele só havia tido um único ataque epiléptico durante a vida, na adolescência e esse seria o segundo.
Impossível provar que sim e também que não, mas a polícia concluiu que realmente ele teve esse "mal súbito" e não houve nenhuma punição a ele.
Claro que tive certeza de que havia sido proposital, mas fiquei pensativa.
Quando Juan soube da morte da mãe, ficou extremamente revoltado, perguntou tudo sobre o causador do acidente, quem era, onde morava e Seu Paulo contou a ele.
Acabou conseguindo fugir do presídio e indo atrás de Sérgio.
Chegando no endereço, foi recebido pelo pai, que informou que Sérgio estava na praia.
Juan estava armado e pronto para matar o "assassino" da mãe.
Enquanto isso, no litoral, no mesmo dia, Sérgio entrava no mar, para ter seu terceiro e último ataque epiléptico.
Morreu afogado!
Ele morreria de qualquer forma pelas mãos de Juan.
Embora seja difícil acreditar ou ter certeza, fiquei pensando que talvez, o atropelamento tenha sido um acidente... mas as circunstâncias deixam margem pra muitas dúvidas.
Jamais saberemos! Os envolvidos estão mortos.
Juan seguiu na vida do crime, muito visado pela polícia, sempre preso.
A uma certa altura, em 2014, conheceu uma mulher e recorreu ao seu tio pra ajeitar seu casamento, estava apaixonado, disposto a mudar de vida e também queria direito a visitas íntimas.
Conseguiram fazer o casamento por procuração.
O nome da moça: Célia!
Resolveram juntar os trapos!
Pediram pro Seu Paulo comprar um colchão "dos bons" e Juan tentaria se afastar da vida do crime, mesmo sabendo que a polícia estava de olho nele.
Pouco tempo depois, Célia foi atrás do Seu Paulo, muito nervosa, dizendo que achava que a polícia tinha matado Juan, que ele havia saído pra fazer "umas correrias" e tinha dado tudo errado.
Não tinha voltado, e o Edson que estaria junto com ele, havia sido morto pela polícia.
Pediu a ele, pra fazer uma busca pelos hospitais e IML.
Encontraram o corpo no Hospital Evangélico, cravado de tiros.
Encerrava ali a vida de crimes de Juan!
Nessa hora, chegamos ao meu endereço. Seu Paulo, com os olhos marejados, diz que agora vinha a parte que mais o emocionava.
Minha vontade era ficar ali ouvindo para sempre ele falar.
Então ele contou como a morte do sobrinho aconteceu.
Ele e o amigo e comparsa, foram fazer um assalto e deram de cara com a polícia.
Edson atirou num policial, que por sua vez revidou e o acertou.
Juan tentou socorrer o amigo e o policial mesmo ferido o fuzilou com diversos tiros.
Ele correu e caiu na frente de uma pequena igrejinha onde estava um pastor, o Sr. Daniel.
Vendo aquela situação, o pastor falou pra Juan, sobre Jesus, que antes de morrer havia salvo um ladrão.
Perguntou se ele se arrependia e falou sobre a parábola dos trabalhadores que aceitavam o trabalho na vinha, que não importava quão tarde chegassem, receberiam a mesma recompensa daqueles que estavam lá há mais tempo.
Então Juan disse que se arrependia de tudo, todos os crimes, violências e coisas que ele havia feito durante a vida.
Então o pastor o perdoou.
Seu Paulo muito emocionado, disse que tinha certeza que o sobrinho teve a oportunidade de pedir perdão e ser perdoado mesmo nos últimos minutos de vida e isso o confortava.
É sobre perdão!
Ao descer, eu disse apenas, que o que importava era sair dessa vida melhor do que entramos, nem que fosse nos últimos segundos.
Ele me abençoou, desejou tudo de melhor pras nossas vidas e foi embora , enquanto eu, mesmo passado um bom tempo, não consigo esquecer de tantas coisas nessa história que me fizeram pensar em julgamentos, condenações e absolvimentos.
Nem tudo é como acreditamos e percebemos. Sempre existem outros lados e outras possibilidades, mesmo quando as coisas parecem óbvias.

Todos os nomes são fictícios.